quarta-feira, 3 de junho de 2015

E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa...

Hoje, eu e meus tristes botões, estávamos refletindo sobre a dura vida da bruxa, em especial a bruxa da Branca de Neve.
Nunca paramos pra pensar na luta que ela enfrenta todos os dias para manter-se jovem, bela e atraente aos olhos do espelho ou a da aceitação, afinal ela é uma velha e as jovens são mais atraentes. Concorda? 
Sim, ela é uma velha, mas não aceita a condição de uma. Por isso luta incondicionalmente para permanecer bela. Talvez seja por isto que ela tenha se tornado bruxa, autoridade em antídotos, magias, cosméticos, academia, cabeleleiros, compras etc. etc. etc. Vê alguma semelhança com alguém?
Ela precisa destruir todas jovens naturalmente belas, destruir não, assassina-las e o faz sem culpa, pois seu desespero, sua dor é maior do que a de um homicídio.  
Talvez, ela própria seja a princesa Branca. Talvez este seja o seu passado. Talvez ela esteja tentando esquecer a sua juventude quando era uma princesa de pele lisinha, cabelos sedosos... e aceitar a velhice de bruxa enrugada e de brancos cabelos. Talvez ela esteja tentando se aceitar?
Se pensarmos nesta hipótese, a história da bruxa, é senão, o desdobramento da história da princesa o que provavelmente também não deve ter sido fácil. Apesar de jovem, ela tinha que manter aqueles cabelos lisos e brilhantes, aquela pele perfeita sem espinhas, o corpo penosamente magro, o rosto “naturalmente” e impecavelmente maquiado. Sem contar que ela falava com os animais, e vivia perdida na floresta, ou seja, ela não sabia em qual grupo pertencer, ela não se encontrava, estava sempre aflita e sentindo-se só. Depois disso ela teve que conviver e manter um relacionamento exaustivo com os sete anões ou seria os conflitos da juventude: os momentos felizes (Feliz), outros de dor (Zangado), os medos que nos intimidam (Dengoso) a busca pelo conhecimento (Mestre), a espera pelo tempo oportuno (Soneca), as decepções e as surpresas (Dunga - o mudo), os abalos emocionais (Atchim)... E a espera fatigante por um príncipe perfeito-encantado que ninguém ousou dizer a ela que não existe.
A princesa-bruxa teve que experimentar o doce veneno da verdade, ou melhor dizer da mentira? a ponto de desviver, perder todo o seu sentido vital para desconstruir as ilusões idealizadas em um longo livro de contos de fadas. Mas ela sabia que fadas não existiam.
E assim, depois de muitas e muitas lágrimas derramadas pelos anões-conflitos, pelos animais e florestas desnorteadoras ela renasce com um beijo do príncipe, isto é, um beijo da realidade. Depois ela se vai junto ao príncipe, a personificação da realidade, montados no cavalo branco da liberdade, em direção do reino desconhecido de uma vida misteriosa e ainda sem sentido.
Talvez essa história não tenha linearidade. Talvez ela reverbere em vários sentidos.
Mas, independente da lógica de qualquer enredo, o final da história será sempre infeliz, pois habituamos a contemplar a vida sob o mesmo ângulo, tudo precisa ser belo, concreto e eterno, sendo que tudo é transitório, inclusive a bruxa, que sucumbe no findar da primavera. “E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa”. (Fernando Pessoa)